sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017 0 comments

O museu a céu aberto que virou cinza




No recém-publicado The return of curiosity: what museums are good for in the 21st century (“O retorno da curiosidade: para que os museus são bons no século XXI”, publicado em Londres pela Reaktion books, 2016), Nicholas Thomas investiga a retomada do crescimento do número de museus no mundo a partir da última década do século XX. Para ilustrar esse fenômeno, cita a criação de museus nacionais no Canadá (1989), Nova Zelândia (1998), Australia (2001); o plano de desenvolvimento de museus na China que levou o país a ter mais 3.500 museus; além da retomada de investimento em cidades europeias, com a criação do Musée d’Orsay em 1986, e o Musée du quai Branly em 2006, elevando o número de museus em Paris para cerca de 150; e a reinauguração do Rijksmuseum, em Amsterdam, em 2013, após uma década de renovação.
O público respondeu a esse crescimento, participando das exposições temporárias e permanentes, o que tem levado os museus do mundo a baterem recordes de público – movimento que chegou também a São Paulo, onde o Museu da Imagem e do Som (MIS), o Instituto Tomie Ohtake, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o MASP, trouxeram exposições inovadoras que colocaram essas instituições no ranking do The Art Newspaper das mais visitadas do mundo, como pontua reportagem publicada no IG.
Essa expansão dos museus no século XXI contraria as expectativas de estudiosos e políticos na década de 1980, que previam sua decadência e até mesmo extinção. Para Nicholas Thomas, a retomada da expansão dos museus está ligada à multiplicidade de caminhos que o expectador pode seguir em um museu, permitindo leituras inusitadas e sugerindo conexões inesperadas, uma vez que cada visitante tem uma experiência singular no museu, que depende até mesmo de fatores externos como com que se vai ao museu. Nas palavras de Thomas, “em cada caso, o que é antecipado difere e será articulado por diferentes pensamentos, comentários e conversas, talvez com estranhos, outros visitantes que estão olhando para o mesmo objeto, talvez com professores e funcionários do museu, talvez com familiares ou amigos com quem se está visitando o local” [“in each of these cases, what is antecipated differs and will be articulated through diferent thoughts, commentaries and conversations, perhaps with strangers, other visitors who happen to be looking at the same thing, perhaps with museum docents or staff, as well as with the Family members or friends with whom one is visiting the location”, p. 47]
A céu aberto, os grafites da Av. 23 de maio também encorajavam as mais inusitadas interpretações; despertavam discussões acaloradas sobre a natureza da arte, sobre o belo (e o horrível!!!), e também a indiferença de quem corre para um lado e para outro sem ter tempo para nada. Nas lentes de fotógrafos, ou das selfies, as imagens interagiam com carros, motos, bicicletas, pedestres, desapareciam por trás de gigantes caminhões.
Para alguns, os grafites, aceitos e incentivados pelo poder público, teriam perdido o valor de protesto e de certo modo acabava sendo parte de uma estratégia de marketing do governo anterior, que se apresentava como inovador e pretendia revolucionar a cidade, promovendo a troca do carro pela bicicleta – perspectiva que não foi aceita pela população, como ficou claro nas eleições municipais. Ao apagá-los, Doria acabou por devolver aos grafites a capacidade de funcionar como forma de protesto. Apagados, os grafites passam para a memória coletiva como uma demonstração de restrição da liberdade de expressão.
Mas como reagiram os jornais? Jornais, como o SP-TV de X e a Folha de São Paulo, tentaram se mostrar imparciais, apresentando a opinião daqueles que concordavam e dos que descordavam da ação. Cabe, no entanto, perguntar se a tarefa do jornalista é apenas apresentar os chamados “fatos” de maneira pretensamente imparcial? Não seria também papel da imprensa realizar uma investigação? A prefeitura argumentou que os grafites deveriam ser retirados porque estavam degradados. Porém, vídeos compartilhados pelas redes sociais indicavam que os grafites estavam em boas condições. Não seria papel dos jornalistas investigarem quantos grafites estavam realmente degradados? Qual foram os critérios do prefeito para manter algumas imagens, teria sido apenas o gosto pessoal do prefeito? Pela repercussão do tema, também se esperaria reportagens sobre como são tratados os grafites em outras cidades do Brasil e do mundo, papel que acabou sendo assumido por blogs e postagens de brasileiros que vivem fora do país.

O leitor talvez se questione: com problemas tão sérios para tratar em São Paulo, por que gastar tanto tempo discutindo grafites? Será que discutir os grafites da 23 de maio, seria “fuga da realidade. Negação do caos. Desesperança.”, como sugeriu a colunista MarilizPereira Jorge, na Folha de São Paulo. Como se arte fosse algum tipo de futilidade, sem refletir sobre seu poder de tornar os cidadãos mais criativos, aumentar a conexão entre o indivíduo e o espaço, o que pode inclusive diminuir os níveis de criminalidade, como ocorreu em uma comunidade no México. Se esses argumentos soam românticos demais, pode-se também lembrar dos efeitos econômicos da arte de rua. Segundo um estudo publicado recentemente por pesquisadores da Universidade de Warwick, bairros londrinos com maior proporção de arte urbana teriam tido um aumento de seu valor de mercado. 

Texto escrito em 28/01/2017
 
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