No recém-publicado The return of curiosity: what museums are good for in the 21st century (“O retorno da curiosidade: para que os museus são bons no século XXI”, publicado em Londres pela Reaktion books, 2016), Nicholas Thomas investiga a retomada do crescimento do número de museus no mundo a partir da última década do século XX. Para ilustrar esse fenômeno, cita a criação de museus nacionais no Canadá (1989), Nova Zelândia (1998), Australia (2001); o plano de desenvolvimento de museus na China que levou o país a ter mais 3.500 museus; além da retomada de investimento em cidades europeias, com a criação do Musée d’Orsay em 1986, e o Musée du quai Branly em 2006, elevando o número de museus em Paris para cerca de 150; e a reinauguração do Rijksmuseum, em Amsterdam, em 2013, após uma década de renovação.
O público respondeu a esse crescimento,
participando das exposições temporárias e permanentes, o que tem levado os
museus do mundo a baterem recordes de público – movimento que chegou também a
São Paulo, onde o Museu da Imagem e do Som (MIS), o Instituto Tomie Ohtake, a
Pinacoteca do Estado de São Paulo e o MASP, trouxeram exposições inovadoras que
colocaram essas instituições no ranking do
The Art Newspaper das mais visitadas
do mundo, como pontua reportagem publicada no IG.
Essa expansão dos museus no século XXI
contraria as expectativas de estudiosos e políticos na década de 1980, que
previam sua decadência e até mesmo extinção. Para Nicholas Thomas, a retomada
da expansão dos museus está ligada à multiplicidade de caminhos que o
expectador pode seguir em um museu, permitindo leituras inusitadas e sugerindo
conexões inesperadas, uma vez que cada visitante tem uma experiência singular
no museu, que depende até mesmo de fatores externos como com que se vai ao
museu. Nas palavras de Thomas, “em cada caso, o que é antecipado difere e será
articulado por diferentes pensamentos, comentários e conversas, talvez com
estranhos, outros visitantes que estão olhando para o mesmo objeto, talvez com
professores e funcionários do museu, talvez com familiares ou amigos com quem
se está visitando o local” [“in each of these cases, what is antecipated
differs and will be articulated through diferent thoughts, commentaries and
conversations, perhaps with strangers, other visitors who happen to be looking
at the same thing, perhaps with museum docents or staff, as well as with the
Family members or friends with whom one is visiting the location”, p. 47]
A céu aberto, os grafites da Av. 23 de maio
também encorajavam as mais inusitadas interpretações; despertavam discussões
acaloradas sobre a natureza da arte, sobre o belo (e o horrível!!!), e também a indiferença de quem corre para um lado
e para outro sem ter tempo para nada. Nas lentes de fotógrafos, ou das selfies,
as imagens interagiam com carros, motos, bicicletas, pedestres, desapareciam
por trás de gigantes caminhões.
Para alguns, os grafites, aceitos e incentivados
pelo poder público, teriam perdido o valor de protesto e de certo modo acabava
sendo parte de uma estratégia de marketing do governo anterior, que se
apresentava como inovador e pretendia revolucionar a cidade, promovendo a troca
do carro pela bicicleta – perspectiva que não foi aceita pela população, como
ficou claro nas eleições municipais. Ao apagá-los, Doria acabou por devolver
aos grafites a capacidade de funcionar como forma de protesto. Apagados, os
grafites passam para a memória coletiva como uma demonstração de restrição da
liberdade de expressão.
Mas como reagiram os jornais? Jornais, como o
SP-TV de X e a Folha de São Paulo, tentaram se mostrar imparciais, apresentando
a opinião daqueles que concordavam e dos que descordavam da ação. Cabe, no
entanto, perguntar se a tarefa do jornalista é apenas apresentar os chamados
“fatos” de maneira pretensamente imparcial? Não seria também papel da imprensa
realizar uma investigação? A prefeitura argumentou que os grafites deveriam ser
retirados porque estavam degradados. Porém, vídeos compartilhados pelas redes sociais indicavam que os grafites estavam
em boas condições. Não seria papel dos jornalistas investigarem quantos
grafites estavam realmente degradados? Qual foram os critérios do prefeito para
manter algumas imagens, teria sido apenas o gosto pessoal do prefeito? Pela
repercussão do tema, também se esperaria reportagens sobre como são tratados os
grafites em outras cidades do Brasil e do mundo, papel que acabou sendo
assumido por blogs e postagens de brasileiros que vivem fora do país.
O leitor talvez se questione: com problemas tão
sérios para tratar em São Paulo, por que gastar tanto tempo discutindo
grafites? Será que discutir os grafites da 23 de maio, seria “fuga da
realidade. Negação do caos. Desesperança.”, como sugeriu a colunista MarilizPereira Jorge, na Folha de São Paulo. Como se arte fosse algum tipo de
futilidade, sem refletir sobre seu poder de tornar os cidadãos mais criativos,
aumentar a conexão entre o indivíduo e o espaço, o que pode inclusive diminuir
os níveis de criminalidade, como ocorreu em uma comunidade no México.
Se esses argumentos soam românticos demais, pode-se também lembrar dos efeitos
econômicos da arte de rua. Segundo um estudo publicado recentemente por
pesquisadores da Universidade de Warwick, bairros londrinos
com maior proporção de arte urbana teriam tido um aumento de seu valor de
mercado.
Texto escrito em 28/01/2017
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