domingo, 6 de junho de 2010

Duas aldeias

Os habitantes de Thurdorf no norte da Suiça e Nova Vida no Rio Negro (norte do Brasil) com certeza nunca ouviram falar um dos outros. Os suiços têm uma noção tão vaga de Amazônia, quanto os barés têm uma noção vaga de Europa. Exceto, talvez, pelos jovens que sonham em conhecer o mundo oposto.

Oposto? Em uma viagem curtinha, descobri mais semelhanças do que poderia supor a princípio.

A escola é o ponto de maior semelhança. Os professores de Thurdorf e os de Nova Vida têm como desafio ensinar crianças de várias idades na mesma sala - o chamado 'ensino multiseriado'. Em aldeias, o número de alunos é muito pequeno para que os governos suiço e brasileiro disponibilizem um professor para cada série - a solução nos dois países foi juntar em uma mesma sala crianças de séries diferentes. Para os governos é uma economia e tanto; para os professores, um desafio de criatividade e competência.

Os mesmos professores também têm de lidar com o bilinguismo. Na Suiça, as crianças aprendem em casa um dos dialetos de "suiço alemão", que varia de "cantão" (ou estado) para "cantão". Não há, no entanto, material didático para ensinar em "suiço alemão". Além disso, todo suiço deve aprender também o "alemão padrão". Em Nova Vida, como em todas as aldeias indígenas, o desafio é alfabetizar na língua materna (apesar da ausência de material didático) e ao mesmo tempo introduzir o Português (para o qual há material didático, mas que trata de uma realidade completamente alheia ao universo indígena).

Para lidar com o mundo em que vivem, os professores de Thurdorf e de Nova Vida incentivam atividades na floresta. Sim, em Thurdorf há ainda um pedaço da floresta negra. Os alunos devem conhecer os tipos de plantas, os instrumentos utilizados no trabalho agrícola tradicional, etc. Em Nova Vida, esse tipo de ensino está começando, chama-se de "escola indígena diferenciada". Os professores incentivam a pesquisa com os idosos sobre os tipos e usos das plantas da região, as atividades artesanais tradicionais, etc. Nas duas "aldeias", os professores estão aprendendo a ensinar para preparar o cidadão para viver bem na comunidade em que vivem - e só depois, consciente de sua identidade linguistico-cultural, conhecer outros mundos.



Alunos da comunidade de Nova Vida, preparando festa.


Thurdorf vista de uma torre no meio da floresta negra.

5 comentários:

imutavel@yahoo.com.br disse...

comparação interessante!

Unknown disse...

Te falei... Aqui você não imagina as comaprações que ja percebi... É uma pena que nossa auto-estima seja tão baixa como brasileiros. Mas de repente você e eu, que nos propusemos ter uma visão de fora, talvez possamos mudar essa atitude ao abrir os olhos das pessoas pra como o ensino em "casa" não deixa a desejar. Talvez faltem recursos, dinheiro, mas a filosofia educacional é, na minha impressão, completamente comparável. Beijos

Aline da Cruz disse...

Oi,
Concordo que a filosofia educacional (pelo menos das escolas brasileiras que têm investido em reformas) é comparável. Entretanto, para que se implante ensino multi-seriado e diferenciado (com valorização da interdisciplinaridade) é preciso investir pesado na formação de professores. E daí a professora da Suíça e a do Canadá são muito bem formadas com ensino superior (ou curso equivalente), enquanto os professores brasileiros dificilmente têm a mesma chance e, por isso, muitas vezes o "ensino em 'casa'" acaba deixando a desejar. (Ou diriam os holandeses mais céticos, o ensino no mundo todo deixa a desejar). Abraços!

Kelli Machado disse...

Que legal saber disso. Uma ideia de projeto é criar material didatico para essas pessoas, ne? Que esteja dentro do contexto que eles vivem... mas é um desafio e tanto, que requer bastante investimento...

Aline da Cruz disse...

Oi Kelli,

Há um projeto na Secretaria de Educação de São Gabriel chamado "Magistério Indígena" que tem justamente como objetivo formar professores das próprias comunidades. Durante os cursos de formação, os professores elaboram material didático, mas em geral não conseguem publicar. Ou seja, o desafio é ainda maior com a falta de investimento.

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