domingo, 25 de abril de 2010 0 comments

Magistério Indígena


"Cursistas" de Magistério Indígena para falantes de Nheengatú, comunidade de Assunção do Içana, outubro/2007.


Em São Gabriel, estão organizando mais uma etapa do Magistério Indígena. Trata-se de uma iniciativa da prefeitura e do governo do estado do Amazonas para dar uma formação, equivalente ao ensino médio, para que jovens indígenas sintam-se preparados para educar.

Uma educação diferenciada em que se pretende formar cidadãos para viver bem em suas próprias comunidades. Por isso, se vê como essencial o ensino por meio de pesquisa - a descoberta dos mitos com os antigos; as técnicas tradicionais de cultivo; a matemática por trás das formas das coméias, da fabricação de canoas; o funcionamento do rádio comunitário; a medicina tradicional; formas de desenvolvimento sustentável, entre outros tantos temas, escolhidos de acordo com as necessidades de cada grupo.

Também estão preocupados com as melhores formas de alfabetizar em língua materna - um desafio comum a todos os povos indígenas. (Não se engane: O fato de professores de Português ou Inglês terem uma quantidade absurda de materiais didáticos, não torna a tarefa do educador mais simples - talvez até atrapalhe).

A seu favor, esses jovens professores tem o apoio de suas comunidades. Engraçado como as pessoas mais simples, muitas vezes analfabetas, acreditam na importância da educação - muito mais do que nós que a temos. Basta ver a eleição. No Rio Negro, o discurso da educação sempre elege prefeito (mesmo que nem sempre as promessas sejam cumpridas). Em São Paulo, terra de tanta "gente estudada", Maluf foi eleito tantas vezes, apesar do "professorinhas mal casadas"; Mário Covas é mitológico, apesar da ovada de professores mal-remunerados... Só para lembrar os casos mais marcantes.

E nas próximas eleições: Que valor daremos à educação?
domingo, 18 de abril de 2010 1 comments

Duas visões

Em 2009, dois filmes contaram a história extremamente pesada de estupros seguidos de assassinato: O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, Argentina/Espanha) e Um Olhar do Paraiso (Lovely bones, Hollywood).

Ambos tratam do desespero daqueles que buscam justiça e que tentam reconstruir a própria vida, após perderem suas amadas - a filha/irmã/amiga Susie, uma garotinha de 14 anos em Lovely Bones; e uma jovem linda esposa, no caso do filme argentino.

Com orçamento de $65 milhões, o filme americano apela para efeitos especiais (criados por Spielberg), uma vez que a garotinha assassinada acompanha do além a desestruturação de sua família, a busca incansável de um pai por justiça. E se já não bastasse, a menina teme ainda pela vida da irmã que tem de conviver com o vizinho assassino.

Com orçamento de apenas €2 milhões, O Segredo dos seus olhos mantém-se no nível do real. Aqui, o ponto de vista é de um funcionário público que tenta entender 25 anos depois o caso policial que mais marcou sua vida no Tribunal de Justiça. "Não A Justiça, mas UMA Justiça", diz a doutora (provavelmente promotora) Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil).

A Justiça, porém, tanto nos Estados Unidos quanto na Argentina, se mostra completamente incapaz. Cabe às vítimas procurarem alguma forma de justiça (ou vingança?).

O Segredo dos seus olhos obriga a pensar... Destrói nossas concepções sobre o bem e o mal e coloca-nos diante do 'ser humano' e suas paixões. O filme é duro, tenso, arrasador. Oscar de Melhor Estrangeiro e maior bilheteria na Argentina nos últimos 35 anos super merecidos.

Lovely Bones é maniqueista. Além disso, a necessidade hollywoodiana de aparar todas as arestas, torna o final do filme insuportável.
quinta-feira, 15 de abril de 2010 0 comments

Professor de Português

Eu cansei de ouvir, sendo apresentado a alguém, a um médico, por exemplo:

- Ah, o Senhor é professor de português? Ih rapaz, eu cometo tanto erro...

O cara já começa a se reprimir, eu penso assim:

“Nossa, que maldita essa minha profissão, calamos a boca da cidadania...!"


Ataliba Teixeira de Castilho por Ataliba Teixeira de Castilho, entrevista realizada por Olga Coelho e Aline Cruz em 2001.
terça-feira, 13 de abril de 2010 0 comments

Dabaru: o destino dos indígenas na cidade


Na foto, eu, Joaquim, Nancy e o pequeno Diego na Casa do Indio no Dabaru.



Segundo Stradelli, Dabaru é um “velho instrumento de supplicio indígena, formado por dous fortes esteios fincados no chão, unidos por uma forte travessa á altura de quatro a cinco metros. A travessa estava suspenso por uma corda um grosso bloco de pedra, prompto a despencar sobre o paciente, logo que fosse cortada a corda. A morte era produzida por esmagamento”. A palavra tem origem no Baré ou no Baniwa.

Por ironia, Dabaru é também o nome de um dos bairros da periferia de São Gabriel da Cachoeira.

No Dabaru, moram Baré, Tukano, Dessano... todos aqueles que decidiram deixar a comunidade em área indígena em busca de uma vida melhor cidade. Buscam principalmente postos de saúde mais bem equipados, escolas públicas (principalmente para formação de jovens em ensino médio), e a possibilidade de aprenderem a usar computador e outras 'coisas de branco'.

Ali, muito da cultura é recriado: centro comunitário, o fato de todo mundo se conhecer, etc. Mas no Dabaru, não há espaço para roça, então é preciso viajar de ônibus um bocado todos os dias para roçar. Ou comprar beijú e farinha dos que chegam de área. O preço, no entanto, não é nada convidativo.

Bairro periférico, há poucas formas de diversão; a violência aumenta progressivamente; os preços da cidade são de arrepiar; a elite da cidade dificilmente contrata indígenas para trabalhar no comércio; muitas casas não tem banheiro. Se a prefeitura precisa economizar em luz elétrica e água encanada, fará primeiro no Dabarú (e nos bairros vizinhos, Areal, Miguel Quirino).

Rapidinho, o sonho da cidade se transforma logo em sonho de voltar a comunidade.

Para que ninguém abandone a própria comunidade, bastaria investir na formação de professores indígenas e garantir que o sistema de saúde chegasse nos momentos mais necessários na comunidade.
sexta-feira, 9 de abril de 2010 3 comments

A Aula

Na semana passada, fui convidada para dar uma aula sobre Fonologia de Contato em Leiden. A idéia era discutir com alunos de mestrado como o Nheengatú (ou língua geral amazônica) teria reestruturado seu sistema devido ao contato. O mesmo trabalho que eu havia apresentado no México (cf. resumo), mas de uma forma mais participativa :)

A aula era de apenas duas horinhas com intervalo de quinze minutos... Eu sei, é rídiculo comparado as quatro horas contínuas da pós na USP. Mas os holandeses dizem - e faz sentido - que ninguém é capaz de se concentrar por mais de 45 minutos contínuos.

Eu estava em pânico - como sempre! - Afinal quando cheguei aqui há três anos, eu assisti a muitas aulas de mestrado na mesma Universidade de Leiden. Logo que comecei a aula fiz uma brincadeirinha sobre 'estudar fonologia de contato' com uma brasileira falando inglês :) A piadinha de nerd ajudou a desfazer a tensão inicial :)

Ao invés de jogar um montão de conteúdos teóricos, decidi levar um handout com dados e guiar os alunos para descobrirem por eles mesmos as mudanças que teriam ocorrido no Nheengatú nos últimos 150 anos por conta do contato com o Baniwa, o Baré e o Werekena. Foi uma maneira divertida de estudar o conceito de 'convergência lingüística' a partir dos dados do Nheengatú.
quinta-feira, 8 de abril de 2010 1 comments

(In)Certezas

No mês de março, meu tempo concentrou-se em duas experiências profissionais. A primeira foi o Workshop on Mood and Modality, organizado em Leiden. A segunda, o preparo para atender um convite para ministrar uma aula sobre Fonologia de Contato para um grupo de mestrado em Leiden. Em ambos, trabalhei com 'história da língua' (no caso, o Nheengatú ou língua geral amazônica).

Eu tenho uma tendência forte a trabalhar com as origens das formas lingüísticas. No mestrado, trabalhava com Historiografia Lingüística. E todos os artigos que publiquei até agora tratam de fases de desenvolvimento de uma língua. Apesar disso, esse tema sempre me deixa em pânico.

No workshop, apresentei evidências lingüísticas e históricas para sustentar a hipótese de que paa (o reportativo do Nheengatú) seja um empréstimo do Baniwa. Como disse um Linguista-Importante, todos os argumentos convergem para que a sua hipótese esteja correta. Mesmo assim, ao apresentar estava em pânico. Por que? Porque sempre que entramos no campo da história, as evidências se tornam mais fluidas, dependemos de documentos alheios, do intangível...

Meus orientadores não cansam de me dizer. Fazer ciência é fazer hipóteses... Uma hipótese se diferencia de pura especulação pelo fato de utilizarmos todas as ferramentas teóricas e dados coletados para sustentar nossa hipótese. Dizem ainda, no seu desenvolvimento você vai estar sempre reformulando hipóteses (quem não faz isso, trata ciência como religião - é dogmático). Preciso aprender a lidar com isso e ser menos positivista...

P.S.: Falo sobre a aula no próximo post.
terça-feira, 6 de abril de 2010 2 comments

O Rio Xié


O Rio Xié não está no Google Maps, mas existe :) No Google, dá para ver apenas uma frestra na terra em paralelo ao Rio Içana.

Habitado por 966 pessoas (segundo o relatório do distrito de saúde de 2008), o rio Xié é território dos Werekena. Trata-se de um rio de muito difícil navegação, porque há corredeiras - ou "cachoeiras" como dizem no dialeto gabrielense - que impedem a passagem de barcos (até mesmo de canoas, como se pode ver na foto).

A separação entre o sul e o norte do Rio Xié não é apenas detalhe do relevo, traduz-se também nos hábitos e na língua. E, segundo Aikhenvald (1998), até o dialeto do Werekena ainda falado no sul do Rio Xié difere dos dados coletados sobre o dialeto de Anamuim (a comunidade na fronteira norte do Xié).

Quanto aos hábitos, observa-se a diferença em como norte e sul se colocam em relação às religiões "estrangeiras". Ao sul do Rio Xié, prevalece o protestantismo, enquanto ao norte, o catolicismo. Na Europa, as brigas entre essas religiões já deixaram de ser relevantes há mais de duzentos anos. No Xié, no entanto, temos a impressão de que estamos à beira da Noite de São Bartolomeu - com o exagero próprio dos blogs, claro!

Enquanto os Werekana discutem, perdem a possibilidade de criar movimentos fortes para defender sua terra, sua cultura, sua língua. A FOIRN está dando apoio para que o norte e o sul se entendam.

Acredito que uma das formas de reestabelecer o diálogo e o orgulho de ser Werekena é a partir de projetos de revitalização da língua Werekena. Já em 1903, Nimuendajú registrou que a maioria dos Werekena era bilíngue em Nheengatú e Werekena (Christino 2007). Hoje, passados mais de cem anos, há apenas 20 falantes idosos e, possivelmente, cerca de 100 adultos a compreendem. Resgatar uma língua é resgatar um povo e sua cultura.

Quer saber mais:Marcio Meira. O tempo dos patrões.
domingo, 4 de abril de 2010 0 comments

Páscoa

Ufa! Finalmente a Páscoa para renovar as energias depois de um tempo de correria (e muita alegria com meus visitantes ilustres).

Na Páscoa holandesa, as casas são decoradas com galinhas e ovos cozidos pintados pelas crianças. A primeira vez que fui à casa dos pais do Namorado, me supreendi:

- Por que tua mãe gosta tanto de galinhas?
- É Páscoa!!!

Para mim, continuou estranho até que um Amigo-Engenheiro me explicou que era lógico, afinal galinhas botam ovos e não coelhos. Simples, não? Mas, eu, temoisa, continuo preferindo o Coelhinho da Páscoa com ovos de chocolate... Hummmmm... Gostoso!

E como dizem os holandeses:

FIJNE PAASDAGEN!!!!!!!!!
 
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