sábado, 16 de dezembro de 2017 0 comments
As meninas também morrem em Thurdorf
As meninas morrem
As meninas
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017 0 comments

A Descoberta

Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.
— Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. Vamos ver o grande cabeleireiro, disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela. ( continua aqui).

Suspiros... a menina de 11 anos, ela-mesmo-eu, se instala. O texto estava lá, perdido no meio do livro de quinta série. Um livro horroroso, capa branca de letras vermelhas, com o símbolo do SESI para todo lado, sem graça nenhuma... Mas capa não conta história e, lá dentro, perdido entre uma lição e outra, deparei-me com esse menino atrevido fazendo um penteado. Naquela época, não havia para mim nenhum Machado de Assis, nem Dom Casmurro, nem Bentinho... Apenas Capitu aparecia ali, tão-o-que-eu-queria-ser, ganhando o primeiro beijo. Nesse tempo, eu imaginava como era esse negócio de beijar - devia de ser bom, porque mamãe que sempre foi tão pacífica, ameaçava-me com uma chinelada só de pensar ...

Não sei quanto tempo se passou, um ano talvez, e lá na estante da sala, só para o meu irmão mais velho ler, estava Feliz Ano Velho. Eu queria tanto ler! Mas a mamãe fez terrorismo sobre ser um livro para o Flávio  - eu não estava pronta ainda! Ah! Essas mães que não batem, mas que sabe-se-lá-como despertam medo. Como sou muito corajosa, inventei para mim mesma que o livro era muito grosso. E como lógica não estava entre os meus fortes, estabeleci uma meta: leria o livro-mais-grande-da-estante e, se conseguisse, seria adulta o bastante para enfrentar Marcelo Rubens Paiva.

Vejam bem, a estante da sala não era nenhuma biblioteca dos sonhos. Dos sonhos, havia apenas a coleção de Monteiro Lobato. O restante do acervo havia sido composto à medida que os nossos professores iam pedindo. Meus pais, um projetista e uma auxiliar de enfermagem fantásticos, não tiveram a chance de ir para a universidade, mas sabiam que nós, as crianças, chegaríamos (e chegamos!). Pois bem, havia também uma enciclopédia, comprada pela mamãe no INAMPS (nada de livraria, enciclopédia se compra com caixeiro-viajante). Uns dez livros cor-de-burro-quando-foge, três livros amarelos de culinária, e três livros cinzas, com a palavra Clássicos grafada em prateado na lômbada. Não sei qual o critério, mas havia ali Schopenhauer, Erasmo de Roterdã e Machado. E não é que era bem o livro da Capitu!





terça-feira, 26 de setembro de 2017 0 comments

O regresso



Muitos e muitos anos atrás, Ulysses partiu e levou vinte anos para retornar à  casa em que Penélope lhe aguardava... Vinte anos lutando as mais duras batalhas, vinte anos vendo a morte, lidando com decepção e ódio. Na história grega, o retorno é celebrado, é festivo. Mas o que de fato acontece após vinte anos vivendo os horrores de uma guerra? Vinte anos depois de conviver com a morte, ou com a loucura, ou com a tristeza?

Há um conto japonês que trata exatamente de um homem que regressa da guerra, regressa de conhecer o pior lado da humanidade. Ao chegar, sua esposa o recebe com festa, alegria, boa comida, e com toda exuberância da mulher que, apesar do passar dos anos, se manteve bela e tão apaixonada (ou mais!) quanto a menina de dezesseis anos.

O primeiro encontro é celebrado junto ao mar. No momento exato em que se veem depois de vinte anos, os olhos voltam a brilhar, o coração palpita, é impossível manter a seriedade que se espera de duas almas que, após vinte anos, deveriam se comportar como amigos que não se veem há tanto tempo. Junto ao mar, longe de todas as guerras, longe da realidade, a única coisa que importa é curtir aquele momento, eternizá-lo. E cada toque lembra uma intimidade que nunca foi possível com nenhum dos amores que o sucederam.

Ainda que mágico, ainda que revelador de uma sintonia incrível, era apenas um final de semana. Nos dias que se sucederam, o homem decide retornar à guerra. Talvez por culpa, medo, fuga, não importa... Durante algum tempo, a mulher continua a enviar cartas, tenta dizer para si mesma que o amor é construído de paciência, persistência, permanência, paixão e perdão. A cada carta, porém, a ferida reabre... Então, para continuar vencendo as batalhas de cada dia, as batalhas que têm vencido sozinha nos últimos vinte anos, a mulher, ainda que dolorosamente, decide diminuir a frequência das cartas, até que se silencia. Não porque deixou de se importar, mas porque foi percebendo que era uma questão de sobrevivência.



domingo, 23 de julho de 2017 0 comments

A mensagem do templo budista


Todas as vezes que estive em Amsterdam - e foram muitas! - encontrei o templo budista fechado. Não que o templo estivesse sempre fechado, eu é que costumo passar pelo bairro chinês apenas à noite. Hoje foi diferente. Hoje, justamente hoje, em que todas as bençãos do universo são necessárias para que amanhã seja um dia de paz. E olha a mensagem que recebi dos deuses daquela antiga civilização:



Espero que amanhã eu consiga trazer meu espírito em paz, "with no anger", e assim, consiga selar a paz. A  paz que tem esse poder mágico de preservar tudo que houve de belo, e dar sentido às lutas e temores do passado. Enfim que amanhã seja um dia de paz.





sexta-feira, 21 de julho de 2017 0 comments

O Retorno da Intuição



During a period of my life, I heard that "love is over rated". The idea was so absurd  that I haven't payed any attention, I just ignored it...

Ontem, foi a última vez que eu me permiti ouvir essa frase. Foi também a primeira vez que prestei atenção em seu significado. Não há mistério, as pessoas não tiram a máscara out of a sudden...  A verdade esteve sempre ali, sempre clara. Fui eu que preferi não a ouvir...

Em Correndo com os lobos, Clarissa Pinkola Estés discute o nosso excesso de "academicismo" como uma das causas de abandonarmos a intuição feminina, a capacidade de reconhecer o perigo, de se afastar do Barba-azul, analisado por ela como o arquétipo do homem com quem a mulher jovem e ingênua se deixa envolver "porque não é tão mal assim.." E, como se fosse "piece of cake", recomenda

Tente prestar atenção à sua intuição, à sua voz interior, faça perguntas, seja curiosa, veja o  que estiver vendo, ouça o que estiver ouvindo, e então aja com base no que sabe de verdade

Ainda que não seja óbvio como reconhecer a voz interior, está na hora de eu me deixar guiar pela intuição ancestral, pelo cheiro, pelo brilho nos olhos, pelo barulho do rio, pela beleza e força das danças caribenhas...
terça-feira, 27 de junho de 2017 0 comments

Eternamente presa na mesma narrativa

No meu primeiro ano de Faculdade, foi estabelecido um sistema de "ranqueamento" dos alunos do curso de Letras para que, a depender da nota, os alunos pudessem escolher as opções de carreira (vulgo, línguas) que pretendiam cursar. Aqueles que obtivessem a melhor nota, poderiam escolher as opções mais valorizadas, como Inglês, Espanhol, Francês e - pasmem! - Linguística. Os que obtivessem as piores notas sobrariam para cursos extremamente interessantes, mas pouco práticos em termos comerciais, como Armênio, Hebraico, Grego Clássico, Russo, entre outros. Por isso, havia uma grande competição entre nós, alunos.

Certa vez, cheguei à faculdade cedo e, nenhum dos meus amigos estava por lá. Vi, então, um grupinho de colegas conversando - aliás discutindo exaltados sobre a prova de Introdução aos Estudos Clássicos - e, ingênua, resolvi me aproximar:

- Ela colou!!! Aquela vaca! Ela colou!!!???
- Mas quem é essa Aline?

E todos apontaram para mim: - É esta!!!

Não, eu não havia colado. Eu apenas havia tirado 9,5 em uma prova. Não que eu fosse excelente aluna. Na verdade, na primeira prova  - a minha primeira prova na USP - eu havia tirado apenas 0,5 e de tanta vergonha, estudei como uma louca. Resultado: na segunda prova, eu quase gabaritei, e fiquei com a nota mais alta da turma.

Quando eu tirei 0,5, ninguém se incomodou. Poderíamos juntos falar mal do sistema, da professora, do cazzo... Ah... mas quem poderia lidar com meu 9,5, não é mesmo?



Se passaram quase vinte anos, e eu continuo presa na mesma narrativa...
segunda-feira, 12 de junho de 2017 0 comments

De volta às águas

O mar enrola na areia
Ninguém sabe o que ele diz
Bate na areia e desmaia
Porque se sente feliz

O mar também é casado
O mar também é feliz
É casado com areia
Seus filhos são os peixinhos...



Na última sexta-feira, voltei a nadar. Estava frio. Ainda que eu esteja no meio do Planalto Central, a piscina foi cuidadosamente projetada na sombra dos prédios, de modo que recebe sol apenas à tarde. Mas era preciso voltar às águas, voltar ao único lugar em que eu consigo respirar sem essa dor na garganta, que já dura um mês.

Filha de manezinha da ilha, minha vida sempre se passou perto das águas. Ainda que só pudéssemos viajar para Floripa nas férias, nasci em uma cidade bastante húmida. Meus pais gastam uma fortuna com mil estratégias para combater a humidade que provém do solo e das paredes do quarto do fundo. Sim, o quarto dos meus irmãos mais parece uma fonte do que um quarto propriamente dito. E qualquer tarde livre, sempre foi motivo suficiente para ir ao clube, ou, viajar uma horinha para a casa da vovó de Santos.

Mamãe conta que desde bebê, eu não podia ver uma poça d'água que já queria tirar a roupa para entrar:  [bebɛ, bebɛ], eu dizia. Certa vez, estávamos acampando na Praia do Santinho, e a pequena Aline, com apenas um ano e sete meses, levantou e correu ao mar. A sorte é que meus pequenos pezinhos não conseguiram alcançá-lo, antes que minha ausência fosse notada.

Na água, eu era tão forte quanto meus irmãos e primos. Cinco meninos, e a pequena (e descordenada) Aline. E como era gostoso estar entre eles. Passávamos tardes inteiras no mar. Nas águas, eu podia pular dos ombros do meu irmão mais velho, dar cambalhota, e até plantar bananeira. Depois, ficamos mais independentes, e então, desafiávamos o mar. O lance era ficar de joelhos, na água, de costas para mar, e só levantar no exato momento em que a onda chegava. E, claro, nem sempre dava tempo, e eu era jogada longe, rodando como um pião no meio da onda.

Na água, éramos também caçadores de marisco e berbigão. Lembro-me da Praia do Sonho, em que era possível recolher os pequenos seres - que eu adooooooooooooooro!!!! Um de nós ficava à espreita, observando quando viria a onda, enquanto os demais recolhiam as conchinhas em um balde. No final do dia, levamos nossa caça para mamãe cozinhar com apenas umas gotinhas de limão. A melhor refeição do mundo! a refeição que nós mesmos caçamos, tal qual as crianças Werekena que levam para suas mães as aves que abatem...

Ah... A aldeia... O Rio Negro, o Rio Xié, o Rio Içana, o Rio Waupés, o Igapé Anamoim. Por mais longe que eu tenha ido, por mais que os dias pudessem ser difíceis ou cansativos, sempre havia o rio. E em cada momento que eu me sentia arrebatada pela vida, era possível retornar às águas, e das águas retomar a vida... Um pouco como nado borboleta, em que vamos ao fundo dos mares e, quando não é possível mais continuar, regressamos com toda força, jogando água para todos os lados, atingido aqueles que merecem, e também  os que pretendiam ficar quietos...

quinta-feira, 8 de junho de 2017 0 comments

Brincando de Camões



Nos dois primeiros anos na Holanda, estive muito sozinha. Nos primeiros meses, havia ainda pesquisadores de pós-doutoramento e de doutoramento, mas no segundo ano, não havia mais ninguém. A tese era tudo o que importava. 

O escritório, no décimo segundo andar, tornou-se uma espécie de Torre de Marfim, da onde eu olhava o mundo e enxergava um tabuleiro de xadrez. O mundo real foi esvaindo-se, descolorindo, desaparecendo...

Certo dia, eu estava às voltas com um problema de fonologia. Para não perder tempo, resolvi descer ao térreo para almoçar. Como o enxadrista que antecipa as jogadas na mente, eu poderia continuar resolvendo o problema durante o almoço.

Ao chegar ao térreo, vi fumaça e muita gente. Concluí que perderia muito tempo para almoçar e, por isso retornei ao elevador para subir ao décimo segundo andar. Ao chegar, soou o alarme de incêncio. BUEMBA!!! Onde há fumaça, há fogo - "mais é inteligente demais essa menina", diria o tio Contador.

Como a minha sala ficava bem perto do elevador, fui rapidinho buscar os papéis com narrativas em Nheengatu. Então desci os doze andares, caminhando, tranquilamente, com a tranquilidade dos holandeses que eu encontrava no corredor.

Ao chegar ao térreo e sair do edifício, percebi que estava nevando e eu havia esquecido o casaco. Afinal, por que lembrar do casaco que protege o corpo, quando era preciso salvar as narrativas em Nheengatu que alimentam a mente?

Naquele tempo, o mundo real nem existia...


terça-feira, 16 de maio de 2017 0 comments

Quandos os pobremas são bem mais difíceis que os problemas...

Das histórias que os meus alunos contam:

Duas senhoras no ônibus.

- Qual o certo? Pobrema ou problema?

- Existe os dois: pobrema e problema... Pobrema é o que a gente passa todos os dias, lá na nossa casa. Já problema é o da aula de matemática.

Ahhhhhhhh... Linda! Amei!
quinta-feira, 16 de março de 2017 1 comments

O índio do século XXI



O Rio de Janeiro continua índio 450 anos depois de sua fundação, mas nenhum guarani foi convidado para a festa de aniversário. No dia 1° de março, nenhum índio soprou a velinha do tradicional bolo de quase meio quilômetro que a Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca fez para festejar os 450 anos da cidade, como parte da programação que prevê, ao longo do ano, a realização de 600 atividades: conferências, seminários, projeções, exposições, missa, performances, teatro, orquestras, bandas, salva de tiros, regata… Os índios, porém, estão ausentes de quase todas e da própria mídia, embora estejam presentes na história carioca, a passada e a atual.
A mídia, como regra geral, prefere folclorizar a figura do índio. Em pleno século XXI, jornais ainda estranham o fato de índios usarem iPhone, como se isso fosse algo inusitado. Desta forma, congelam as culturas indígenas e reforçam o preconceito que enfiaram na cabeça da maioria dos brasileiros de que essas culturas não podem mudar e se mudam deixam de ser “autênticas”.
A imagem midiática do índio “autêntico” é a do índio nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi visto por Cabral e descrito por Caminha, em 1.500. Essa imagem ficou congelada por mais de cinco séculos. Qualquer mudança nela provoca estranhamento.
Quando o índio não se enquadra nesta representação que dele se faz, surge logo reação: “Não são mais índios”. O “índio de verdade” é o “índio de papel”, da carta do Caminha, que viveu no passado, e não o “índio de carne e osso” que convive conosco, que está hoje no meio de nós.
Na realidade, trata-se de manobra interesseira. Se o índio é destituído de sua identidade, nega-se a ele o direito garantido pela Constituição de 1988 do usufruto de suas terras¿—¿que são consideradas juridicamente propriedades da União. Nega-se a identidade indígena aos que hoje as ocupam. Se são ex-índios, então não têm direito à terra.
Criou-se, através dessa manobra, uma nova categoria até então desconhecida pela etnologia: a dos “ex-índios”. Uma categoria tão absurda como se os índios tivessem congelado a imagem do português do século XVI, e considerassem o escritor José Saramago ou o jogador Cristiano Ronaldo como “ex-portugueses”, porque eles não se vestem da mesma forma que Cabral, não falam e nem escrevem como Caminha.
O cotidiano de qualquer cidadão no planeta está marcado por elementos tecnológicos emprestados de outras culturas. A calça jeans, o paletó e gravata que vestimos não foram inventados por brasileiro. A mesa e a cadeira na qual sentamos são móveis projetados na Mesopotâmia, no século VII a. C., daí passaram pelo Mediterrâneo onde sofreram modificações antes de chegarem a Portugal, que os trouxe para o Brasil.
A máquina fotográfica, a impressora, o computador, o telefone, a televisão, a energia elétrica, a água encanada, a construção de prédios com cimento e tijolo, toda a parafernália que faz parte do cotidiano de um jornal brasileiro¿—¿nada disso tem suas raízes em solo brasileiro. No entanto, a identidade brasileira não é negada por causa disso. Assim, não se concede às culturas indígenas aquilo que se reivindica para si próprio: o direito de transitar por outras culturas e trocar com elas.
Foi o escritor mexicano Octávio Paz que escreveu com muita propriedade que “as civilizações não são fortalezas, mas encruzilhadas”. Ninguém vive isolado, fechado entre muros. Historicamente, os povos em contato se influenciam mutuamente no campo da arte, da técnica, da ciência, da língua. Tudo aquilo que alguém produz de belo e de inteligente em uma cultura merece ser usufruído em qualquer parte do planeta.
Setores da mídia ainda acham que “índio quer apito”. No currículo dos cursos de comunicação social que formam jornalistas, não circula qualquer informação sobre as culturas indígenas, que são vistas como algo do passado. O antropólogo Darell Posey, que trabalhou com os Kayapó, escreveu:
“Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma “ponte ideológica” entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.
Esses são os índios do século XXI. A mídia olha para eles, mas parece que não os vê.
Jose Ribamar Bessa Freire é professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Retirado de: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/9021_OS+INDIOS+DO+SECULO+XXI
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017 0 comments

O museu a céu aberto que virou cinza




No recém-publicado The return of curiosity: what museums are good for in the 21st century (“O retorno da curiosidade: para que os museus são bons no século XXI”, publicado em Londres pela Reaktion books, 2016), Nicholas Thomas investiga a retomada do crescimento do número de museus no mundo a partir da última década do século XX. Para ilustrar esse fenômeno, cita a criação de museus nacionais no Canadá (1989), Nova Zelândia (1998), Australia (2001); o plano de desenvolvimento de museus na China que levou o país a ter mais 3.500 museus; além da retomada de investimento em cidades europeias, com a criação do Musée d’Orsay em 1986, e o Musée du quai Branly em 2006, elevando o número de museus em Paris para cerca de 150; e a reinauguração do Rijksmuseum, em Amsterdam, em 2013, após uma década de renovação.
O público respondeu a esse crescimento, participando das exposições temporárias e permanentes, o que tem levado os museus do mundo a baterem recordes de público – movimento que chegou também a São Paulo, onde o Museu da Imagem e do Som (MIS), o Instituto Tomie Ohtake, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o MASP, trouxeram exposições inovadoras que colocaram essas instituições no ranking do The Art Newspaper das mais visitadas do mundo, como pontua reportagem publicada no IG.
Essa expansão dos museus no século XXI contraria as expectativas de estudiosos e políticos na década de 1980, que previam sua decadência e até mesmo extinção. Para Nicholas Thomas, a retomada da expansão dos museus está ligada à multiplicidade de caminhos que o expectador pode seguir em um museu, permitindo leituras inusitadas e sugerindo conexões inesperadas, uma vez que cada visitante tem uma experiência singular no museu, que depende até mesmo de fatores externos como com que se vai ao museu. Nas palavras de Thomas, “em cada caso, o que é antecipado difere e será articulado por diferentes pensamentos, comentários e conversas, talvez com estranhos, outros visitantes que estão olhando para o mesmo objeto, talvez com professores e funcionários do museu, talvez com familiares ou amigos com quem se está visitando o local” [“in each of these cases, what is antecipated differs and will be articulated through diferent thoughts, commentaries and conversations, perhaps with strangers, other visitors who happen to be looking at the same thing, perhaps with museum docents or staff, as well as with the Family members or friends with whom one is visiting the location”, p. 47]
A céu aberto, os grafites da Av. 23 de maio também encorajavam as mais inusitadas interpretações; despertavam discussões acaloradas sobre a natureza da arte, sobre o belo (e o horrível!!!), e também a indiferença de quem corre para um lado e para outro sem ter tempo para nada. Nas lentes de fotógrafos, ou das selfies, as imagens interagiam com carros, motos, bicicletas, pedestres, desapareciam por trás de gigantes caminhões.
Para alguns, os grafites, aceitos e incentivados pelo poder público, teriam perdido o valor de protesto e de certo modo acabava sendo parte de uma estratégia de marketing do governo anterior, que se apresentava como inovador e pretendia revolucionar a cidade, promovendo a troca do carro pela bicicleta – perspectiva que não foi aceita pela população, como ficou claro nas eleições municipais. Ao apagá-los, Doria acabou por devolver aos grafites a capacidade de funcionar como forma de protesto. Apagados, os grafites passam para a memória coletiva como uma demonstração de restrição da liberdade de expressão.
Mas como reagiram os jornais? Jornais, como o SP-TV de X e a Folha de São Paulo, tentaram se mostrar imparciais, apresentando a opinião daqueles que concordavam e dos que descordavam da ação. Cabe, no entanto, perguntar se a tarefa do jornalista é apenas apresentar os chamados “fatos” de maneira pretensamente imparcial? Não seria também papel da imprensa realizar uma investigação? A prefeitura argumentou que os grafites deveriam ser retirados porque estavam degradados. Porém, vídeos compartilhados pelas redes sociais indicavam que os grafites estavam em boas condições. Não seria papel dos jornalistas investigarem quantos grafites estavam realmente degradados? Qual foram os critérios do prefeito para manter algumas imagens, teria sido apenas o gosto pessoal do prefeito? Pela repercussão do tema, também se esperaria reportagens sobre como são tratados os grafites em outras cidades do Brasil e do mundo, papel que acabou sendo assumido por blogs e postagens de brasileiros que vivem fora do país.

O leitor talvez se questione: com problemas tão sérios para tratar em São Paulo, por que gastar tanto tempo discutindo grafites? Será que discutir os grafites da 23 de maio, seria “fuga da realidade. Negação do caos. Desesperança.”, como sugeriu a colunista MarilizPereira Jorge, na Folha de São Paulo. Como se arte fosse algum tipo de futilidade, sem refletir sobre seu poder de tornar os cidadãos mais criativos, aumentar a conexão entre o indivíduo e o espaço, o que pode inclusive diminuir os níveis de criminalidade, como ocorreu em uma comunidade no México. Se esses argumentos soam românticos demais, pode-se também lembrar dos efeitos econômicos da arte de rua. Segundo um estudo publicado recentemente por pesquisadores da Universidade de Warwick, bairros londrinos com maior proporção de arte urbana teriam tido um aumento de seu valor de mercado. 

Texto escrito em 28/01/2017
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017 0 comments

A professora e o médico: duas visões sobre as cotas

Tânia Rezende, professora da UFG, tem uma maneira muito gostosa (e didática) de tratar de assuntos sérios. Como uma fantástica professora, ela ensina por meio do diálogo e da provação. Admiradora que sou da Tânia, não poderia deixar de compartilhar esse texto sobre as cotas:


Em mais uma, das muitas em mais de um ano (o acompanhamento é de 3 em 3 meses) consulta ao neurologista...
Já é lugar-comum, depois dos lugares-comuns de todo médico:
Neuro: você faz o quê?
Eu: sou professora.
Neuro: de quê?
Eu: de Portuguêis...
Neuro: Onde?
Eu: na UFG.
Neuro: (rindo) agora, vou te perguntar uma coisa e você vai ficar brava...
Eu: (rindo, pensando com meus botões: lá vem encheção de saco com Enem, estava perto da publicação do resultado).
Neuro: ...o que você acha do Enem? Não,,, Seja sincera...
Eu: ah...?! ar...
Neuro: ...é injusto, o Enem é muito injusto, você não acha? Você não acha que depois do Enem as pessoas estão falando muito mais errado? Tá todo mundo falando muito errado, você acha, me diz, você não acha?
Eu: (eu poderia fazer um patrulhamento na fala dele para exemplificar como, de fato, está todo mundo falando errado, mas preferi responder diferente) desculpa, eu discordo do senhor, as pessoas não estão falando nem mais nem menos errado que antes; o que ocorre é que as pessoas que falam diferente do padrão normatizador do bem falar do português agora estão mais visíveis e isso tem a ver com ações afirmativas e não com Enem.

Texto de Tania Ferreira Rezende, compartilhado no Facebook. 
Conheça o blog do grupo Obiah
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017 0 comments

Xingu: o clamor vem da floresta



Este samba enredo é para guardar para sempre, para voltar a ter esperança :)
 
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