quinta-feira, 8 de junho de 2017

Brincando de Camões



Nos dois primeiros anos na Holanda, estive muito sozinha. Nos primeiros meses, havia ainda pesquisadores de pós-doutoramento e de doutoramento, mas no segundo ano, não havia mais ninguém. A tese era tudo o que importava. 

O escritório, no décimo segundo andar, tornou-se uma espécie de Torre de Marfim, da onde eu olhava o mundo e enxergava um tabuleiro de xadrez. O mundo real foi esvaindo-se, descolorindo, desaparecendo...

Certo dia, eu estava às voltas com um problema de fonologia. Para não perder tempo, resolvi descer ao térreo para almoçar. Como o enxadrista que antecipa as jogadas na mente, eu poderia continuar resolvendo o problema durante o almoço.

Ao chegar ao térreo, vi fumaça e muita gente. Concluí que perderia muito tempo para almoçar e, por isso retornei ao elevador para subir ao décimo segundo andar. Ao chegar, soou o alarme de incêncio. BUEMBA!!! Onde há fumaça, há fogo - "mais é inteligente demais essa menina", diria o tio Contador.

Como a minha sala ficava bem perto do elevador, fui rapidinho buscar os papéis com narrativas em Nheengatu. Então desci os doze andares, caminhando, tranquilamente, com a tranquilidade dos holandeses que eu encontrava no corredor.

Ao chegar ao térreo e sair do edifício, percebi que estava nevando e eu havia esquecido o casaco. Afinal, por que lembrar do casaco que protege o corpo, quando era preciso salvar as narrativas em Nheengatu que alimentam a mente?

Naquele tempo, o mundo real nem existia...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
;