segunda-feira, 12 de junho de 2017

De volta às águas

O mar enrola na areia
Ninguém sabe o que ele diz
Bate na areia e desmaia
Porque se sente feliz

O mar também é casado
O mar também é feliz
É casado com areia
Seus filhos são os peixinhos...



Na última sexta-feira, voltei a nadar. Estava frio. Ainda que eu esteja no meio do Planalto Central, a piscina foi cuidadosamente projetada na sombra dos prédios, de modo que recebe sol apenas à tarde. Mas era preciso voltar às águas, voltar ao único lugar em que eu consigo respirar sem essa dor na garganta, que já dura um mês.

Filha de manezinha da ilha, minha vida sempre se passou perto das águas. Ainda que só pudéssemos viajar para Floripa nas férias, nasci em uma cidade bastante húmida. Meus pais gastam uma fortuna com mil estratégias para combater a humidade que provém do solo e das paredes do quarto do fundo. Sim, o quarto dos meus irmãos mais parece uma fonte do que um quarto propriamente dito. E qualquer tarde livre, sempre foi motivo suficiente para ir ao clube, ou, viajar uma horinha para a casa da vovó de Santos.

Mamãe conta que desde bebê, eu não podia ver uma poça d'água que já queria tirar a roupa para entrar:  [bebɛ, bebɛ], eu dizia. Certa vez, estávamos acampando na Praia do Santinho, e a pequena Aline, com apenas um ano e sete meses, levantou e correu ao mar. A sorte é que meus pequenos pezinhos não conseguiram alcançá-lo, antes que minha ausência fosse notada.

Na água, eu era tão forte quanto meus irmãos e primos. Cinco meninos, e a pequena (e descordenada) Aline. E como era gostoso estar entre eles. Passávamos tardes inteiras no mar. Nas águas, eu podia pular dos ombros do meu irmão mais velho, dar cambalhota, e até plantar bananeira. Depois, ficamos mais independentes, e então, desafiávamos o mar. O lance era ficar de joelhos, na água, de costas para mar, e só levantar no exato momento em que a onda chegava. E, claro, nem sempre dava tempo, e eu era jogada longe, rodando como um pião no meio da onda.

Na água, éramos também caçadores de marisco e berbigão. Lembro-me da Praia do Sonho, em que era possível recolher os pequenos seres - que eu adooooooooooooooro!!!! Um de nós ficava à espreita, observando quando viria a onda, enquanto os demais recolhiam as conchinhas em um balde. No final do dia, levamos nossa caça para mamãe cozinhar com apenas umas gotinhas de limão. A melhor refeição do mundo! a refeição que nós mesmos caçamos, tal qual as crianças Werekena que levam para suas mães as aves que abatem...

Ah... A aldeia... O Rio Negro, o Rio Xié, o Rio Içana, o Rio Waupés, o Igapé Anamoim. Por mais longe que eu tenha ido, por mais que os dias pudessem ser difíceis ou cansativos, sempre havia o rio. E em cada momento que eu me sentia arrebatada pela vida, era possível retornar às águas, e das águas retomar a vida... Um pouco como nado borboleta, em que vamos ao fundo dos mares e, quando não é possível mais continuar, regressamos com toda força, jogando água para todos os lados, atingido aqueles que merecem, e também  os que pretendiam ficar quietos...

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