O Rio Xié não está no Google Maps, mas existe :) No Google, dá para ver apenas uma frestra na terra em paralelo ao Rio Içana.
Habitado por 966 pessoas (segundo o relatório do distrito de saúde de 2008), o rio Xié é território dos Werekena. Trata-se de um rio de muito difícil navegação, porque há corredeiras - ou "cachoeiras" como dizem no dialeto gabrielense - que impedem a passagem de barcos (até mesmo de canoas, como se pode ver na foto).
A separação entre o sul e o norte do Rio Xié não é apenas detalhe do relevo, traduz-se também nos hábitos e na língua. E, segundo Aikhenvald (1998), até o dialeto do Werekena ainda falado no sul do Rio Xié difere dos dados coletados sobre o dialeto de Anamuim (a comunidade na fronteira norte do Xié).
Quanto aos hábitos, observa-se a diferença em como norte e sul se colocam em relação às religiões "estrangeiras". Ao sul do Rio Xié, prevalece o protestantismo, enquanto ao norte, o catolicismo. Na Europa, as brigas entre essas religiões já deixaram de ser relevantes há mais de duzentos anos. No Xié, no entanto, temos a impressão de que estamos à beira da Noite de São Bartolomeu - com o exagero próprio dos blogs, claro!
Enquanto os Werekana discutem, perdem a possibilidade de criar movimentos fortes para defender sua terra, sua cultura, sua língua. A FOIRN está dando apoio para que o norte e o sul se entendam.
Acredito que uma das formas de reestabelecer o diálogo e o orgulho de ser Werekena é a partir de projetos de revitalização da língua Werekena. Já em 1903, Nimuendajú registrou que a maioria dos Werekena era bilíngue em Nheengatú e Werekena (Christino 2007). Hoje, passados mais de cem anos, há apenas 20 falantes idosos e, possivelmente, cerca de 100 adultos a compreendem. Resgatar uma língua é resgatar um povo e sua cultura.
Quer saber mais:Marcio Meira. O tempo dos patrões.
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2 comentários:
Uma Amiga-Discreta me lembrou dos conflitos na Irlanda, que estão longe de ser superados.
Ela tem toda razão.
No Xié e na Irlanda (e em tantos outros lugares), religião ao invés de criar 'solidariedade' entre os homens, parece desuní-los.
Aline da Cruz, você não é linguaruda não. Você é uma linguista que está nos ajudando muito a redescobrir o nosso Brasil.
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